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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Ratos não tocam flauta.

Existe uma fábula em que um flautista encanta muitos ratos com sua musica e eles o seguem sem questionar seu destino encantados pela melodia. O poder é como a melodia que encanta os ratos. As pessoas que detêm o poder determinam os destinos de todos sem que nem mesmo questionem: pra onde?


Todos idolatram o detentor do poder como os ratos idolatram o flautista, e nessa metáfora de ratos e pessoas comuns, caso um rato saia do seu lugar, perca o passo, se distraia com algo pelo caminho é logo pisoteado ou fica para trás. Assim, acontece com as pessoas comuns, caso resolvam questionar o detentor do poder, mostrar sinal de descontentamento com o destino escolhido, não é bem visto. E ainda comentam: quem esse “rato” está pensando que é? Acha-se melhor que os outros?

Não lembro final da fábula. Mas sei bem como é a realidade. A flauta, nunca muda de mãos fica sempre em família. A melodia é sempre a mesma, tocada incansavelmente, sem ser percebida, flautista sempre serão flautistas e ratos devem permanecer ratos. O mais rato possível, seguidor da música. E os ratos a seguem com a mesma idolatria, não questionam, apenas seguem, ratos não admiram ratos e acreditam que ratos jamais deverão tocar flauta ou mudar a melodia. Os poucos que questionam, ficam pelo caminho.



domingo, 6 de janeiro de 2013

O corpo

Seus olhos eram tão profundos que era impossível definir a cor, neles só se via refletido a cor daquilo que neles se refletiam. Ela não falava, não porque não tivesse voz ou sentidos perfeito, estava perdida a sua voz entre seus devaneios. Viera para a aldeia com Francisco, pescador calado, rude nos modos, mas sensível a quem o observa. Contava ele que a havia encontrado no continente quando fora comprar mantimentos, que estava lá, perdida entre feirantes, mantimentos e seus próprios pensamentos. Desde então, vivia com ele, cuidava da casa e andava pela praia, catando conchas e madeira trazidas pela maré durante a noite. Com certeza ela não podia ser definida como bela, alguma coisa nela, seu andar ou a harmonia de tudo nela era atraente de uma forma sútil. Chamavam-na de Arila, porque Francisco assim a chamava e ela atendia sorrindo, como se concordasse em ser.
Costumava ficar horas sentada de frente ao mar, ou deitada na areia com a brisa do mar batendo em seu rosto o sol se espalhando em seu corpo. Ali as suaves mãos lhe acariciava o rosto, erguia o vestido, acariciava lhe o corpo e aquecia suas pernas. Eles se amaram ali, na areia, simplesmente, quase primitivo eram seus desejos. Banhava-se no mar e voltava pra casa. Francico chegaria logo.
As flores do vestido espalhavam-se pelos canteiros e em cestos pela varanda. Seu cheiro se confundia com o cheiro do mar. Francisco era feliz.
Muitos por e nascer do sol. Tarde morna e ela deita-se na areia seus cabelos espalham-se ao vento e a saia do vestido brinca com o vento. Uma sensação morna a embriaga e novamente aquele corpo jovem deita sobre o seu. Amam-se lentamente dessa vez. Ela pode sentir o roçar da barba,o corpo jovem, as mãos fortes em sua nuca, as pernas fortes que prendem as suas e o calor que se espalha por todo o corpo. A voz calada se solta em gemidos baixos e suaves. Ao abrir os olhos estes refletem os de Francisco que a olham como se fosse a primeira vez. Atordoada  segue, então, pela praia de mãos dadas com Francisco em silêncio.
Cedo os pescadores os chamam até a praia, tem um corpo, na areia. É um homem jovem, tem um rosto bonito sereno, a boca é levemente curvada, sob a barba. Seus olhos levemente abertos, como se estivesse acabado de acordar, eram escuros e profundos. Não apresentava nenhum ferimento. Sua mão estava fechada. Ao abrirem cai dela uma concha. Francisco com olhos atormentados, que só Arila em seu silêncio triste vê, pega para si a concha e põe distraidamente no ouvido. Não não ouve o som do mar, nela podem-se ouvir gemidos baixos e suaves.






sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A busca

O mar inspira a leitura. O barulho das ondas, o cheiro de sal, a claridade e uma sensação de solidão, não a solidão sufocante e triste, mas, aquela reconfortante onde você pode finalmente olhar pra dentro de si.


A leitura a som do mar é sempre intensa. Como todo compulsivo, leio vorazmente, ou seja, devoro o livro e mergulho profundamente nas linhas e palavras, nos personagens e seus sentimentos. Tanto e de tal forma que um vazio imenso me invade ao acabar a leitura, é como se aquela vida, aquele mundo esteja sendo tomado de mim de alguma forma.

Resolvi ler um romance, nada de filosofia ou literaturas recomendáveis, um romance, simples daqueles com muitas páginas e personagens que não tem problemas como trabalhar, pagar contas ou qualquer outro problema de ordem prática. Têm sim dramas pessoais, sentimentais e vivem durante todas as páginas a busca por um final feliz.

Essa ultima leitura me fez refletir sobre meus “dramas” pessoais. Sobre os rumos que a vida leva dependendo às vezes de um simples ato. E de como as nossas decisões mudam nossos rumos e podem traçar o rumo da vida de outras pessoas. Ou mesmo sobre impressão de que às vezes lhe é vetado o direito a decisão que de alguma forma, a vida lhe carrega como uma enxurrada. E você vai! Porque não tem opção! Ou segue ou se “afoga”.

O romance não teve um final feliz, não teve um final, ficou em aberto, livre para que a imaginação se encarregasse de continuar dali a vida de cada personagem. Assim me sinto em relação à vida de vez em quando, está em aberto e amanhã alguém pode traçar mais uma linha da minha vida sem que eu saiba ou possa interferir. E de verdade, não posso escolher os rumos que quero, pelo menos não, sem mudar os rumos de muitas outras vidas que se entrelaçam com a minha.

A vida real nunca tem finais felizes, só há um tipo de final. E nunca é feliz! E nossos dramas são infinitos até que a morte nos leve. Aliás, viver é um drama por si só! Mas seja qual for o rumo que se tome, há tréguas e momentos felizes. O que faz com que valha a pena.