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domingo, 2 de junho de 2013

Ignorar pra ser feliz?

A madrugada sempre é silenciosa e me parece longa. Em muitas noites de insônia fico na janela observando ouvindo o silêncio e a rua vazia. Passa uma impressão de vácuo no tempo. Sempre nessas horas os pensamentos e sentimentos brotam como a grama no verão.  A rua é silenciosa, mas o ruído em minha mente é alto, tanto que penso que posso acordar outras pessoas.
Em uma madrugada dessas em que não temos um horário para apagar as luzes e que o silêncio tarda um pouco mais, me permito assistir TV. Qualquer coisa serve desde que silencie meus pensamentos. Mas me deparo com um clássico, já havia assistido, mas quando mudamos o que vemos e ouvimos passa a ter outro sentido. O filme é “Diários de Motocicleta”, é um relato de uma viagem de Chê Guevara e seu amigo Alberto Granado.
Quando assisti a primeira vez percebi a delicadeza das cenas, o humor leve, as paisagens, enfim, vi o que era explicito. Mas nessa madrugada não! Vi o implícito, vi as mudanças que ocorreram na personalidade de Chê durante essa viagem, vi o revolucionário nascer ao ver a grandeza e a força do povo latino, dividido em diferentes línguas e países, massacrados pela imposição de outras culturas e nas diferenças sociais gritantes!
O sonho de Chê não era a mudança de uma cidade, de poucas pessoas, era uma visão diferente de sociedade! Ali, durante toda a viagem lapidou-se um homem que acreditou que podia ser a mudança. Faz muito tempo e muito mudou, mas os indígenas ainda vivem a margem, os países latinos continuam separados e vivendo a cultura imposta pelo regime político e econômico de outros países.
A grande questão é? O que Chê e toda a America Latina têm haver com o meu mundinho verde e insone. As ideias de Chê cutucaram um pensamento que teima em vir a tona o tempo todo. Uma conversa dessas que acontecem por acaso e perturbam o modo de ver a vida. A semanas em sala de aula questionava os alunos de uma turma do noturno, o “pouco caso” com os estudos, a “falta de vontade” em aprender e eles responderam que era cansaço! Cansaço de iniciar o trabalho às 5h da manhã para hora extra, para as quais são “convidados”. Cansaço de essas horas de juventude e sono perdido serem a troco de quase nada. Cansaço da falta de perspectiva. Cansaço por saber que na verdade eles não têm escolha, nunca tiveram. É um ciclo que dificilmente se rompe. O poder está nas mãos das mesmas pessoas a muito tempo e estas fingem ou até acreditam que são democráticas, garantem que o poder continue nessas mãos. Qualquer tentativa de romper o ciclo ou desenhar outra figura geométrica é podada, com muita eficiência.
Minhas costas doem sob o peso de saber tudo isso, de ver além, de observar a hipocrisia das pessoas que se corrompem por qualquer trocado e a ambição desmedida de quem caminha sobre a cabeça de muitos para subir e fazer parte do poder! Essas pessoas andam por ai sorridente, não ligam se enganaram ou exploraram outras pessoas, não ligam pra juventude cansada e perdida, afinal, seus filhos estarão no poder!
“Ser feliz é ignorar!