A madrugada sempre é silenciosa e me parece longa. Em muitas
noites de insônia fico na janela observando ouvindo o silêncio e a rua vazia.
Passa uma impressão de vácuo no tempo. Sempre nessas horas os pensamentos e
sentimentos brotam como a grama no verão.
A rua é silenciosa, mas o ruído em minha mente é alto, tanto que penso
que posso acordar outras pessoas.
Em uma madrugada dessas em que não temos um horário para
apagar as luzes e que o silêncio tarda um pouco mais, me permito assistir TV.
Qualquer coisa serve desde que silencie meus pensamentos. Mas me deparo com um
clássico, já havia assistido, mas quando mudamos o que vemos e ouvimos passa a
ter outro sentido. O filme é “Diários de Motocicleta”, é um relato de uma
viagem de Chê Guevara e seu amigo Alberto Granado.
Quando assisti a primeira vez percebi a delicadeza das
cenas, o humor leve, as paisagens, enfim, vi o que era explicito. Mas nessa
madrugada não! Vi o implícito, vi as mudanças que ocorreram na personalidade de
Chê durante essa viagem, vi o revolucionário nascer ao ver a grandeza e a força
do povo latino, dividido em diferentes línguas e países, massacrados pela
imposição de outras culturas e nas diferenças sociais gritantes!
O sonho de Chê não era a mudança de uma cidade, de poucas
pessoas, era uma visão diferente de sociedade! Ali, durante toda a viagem
lapidou-se um homem que acreditou que podia ser a mudança. Faz muito tempo e
muito mudou, mas os indígenas ainda vivem a margem, os países latinos continuam
separados e vivendo a cultura imposta pelo regime político e econômico de
outros países.
A grande questão é? O que Chê e toda a America Latina têm
haver com o meu mundinho verde e insone. As ideias de Chê cutucaram um
pensamento que teima em vir a tona o tempo todo. Uma conversa dessas que
acontecem por acaso e perturbam o modo de ver a vida. A semanas em sala de aula
questionava os alunos de uma turma do noturno, o “pouco caso” com os estudos, a
“falta de vontade” em aprender e eles responderam que era cansaço! Cansaço de
iniciar o trabalho às 5h da manhã para hora extra, para as quais são “convidados”.
Cansaço de essas horas de juventude e sono perdido serem a troco de quase nada.
Cansaço da falta de perspectiva. Cansaço por saber que na verdade eles não têm
escolha, nunca tiveram. É um ciclo que dificilmente se rompe. O poder está nas
mãos das mesmas pessoas a muito tempo e estas fingem ou até acreditam que são
democráticas, garantem que o poder continue nessas mãos. Qualquer tentativa de
romper o ciclo ou desenhar outra figura geométrica é podada, com muita
eficiência.
Minhas costas doem sob o peso de saber tudo isso, de ver
além, de observar a hipocrisia das pessoas que se corrompem por qualquer
trocado e a ambição desmedida de quem caminha sobre a cabeça de muitos para subir
e fazer parte do poder! Essas pessoas andam por ai sorridente, não ligam se
enganaram ou exploraram outras pessoas, não ligam pra juventude cansada e
perdida, afinal, seus filhos estarão no poder!
“Ser feliz é ignorar!
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