Pages

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Cota

Quando a conheci ela já era velha, e pelo que contava parece que havia nascido assim, velha! Dizia que velhas não usavam calças, só saias, maquiagem não era para velhas, também não se pode ter cabelos compridos e nem muito curtos quando velhas, nem fazer as unhas. Têm-se cardápios e horários especiais para velhos, velhos dormem cedo e acordam cedo.
Cota era elegante, com suas saias retas e camisetes estampadas com flores miudinhas, meias com ligas e sapatos baixos, sempre com lenços ou tocas cobrindo seus cabelos de neve. Sentava-se ereta, sempre na pontinha da cadeira. Usava cores sóbrias misturadas a tons pastéis.
Gostava de flores, e tinha um lindo jardim, com cerca-viva, roseiras, lilases, margaridas, camélias, lírios, flores-de-viúva e muitas ervas de chá.
Ela fazia infusões, chás. Garrafadas e benzeduras, no seu fogão de lenha, sempre fervia alguma coisa que perfumava tudo. E ali sempre tinha alguma delícia, biscoitos, doce de banana, doce de figo, canjica, pão de aipim... O feijãozinho que só ela fazia a carne de panela... Huuuum!E costurava bonecas de pano que eram replicas suas, feitas com os retalhos de suas roupas.
Mas suas especialidades não acabam por ai, ela era excelente contadora de histórias, a grande maioria de terror e também cantava versos e trovas que afirmava sempre serem verdades acontecidas há muito tempo.
A noite, ao lado do fogão onde a lenha crepitava, ela sentava com as pernas encruzadas e as mãos sobre o colo e iniciava a narrativa:
- Quando eu era pequena, lá no morro do amola faca, existia um homem que queria muito ter um filho. Mas ele não queria ser pai. Não, ele queria dar a luz. Passou um tempo e ele ficou de barriga, chamou à parteira, que logo viu que aquela barriga não era de gravidez. Resolveu dar uma lição no coitado. Procurou um gato, daqueles bem bravos e levou até o quarto onde o homem acreditava daria a luz ao bebê. Preparou a cama, mandou o homem tirar a roupa e pôr uma camisola, colocou o pobre em posição de parto e com as unhas do gato arranhou toda a bunda do homem. Depois enrolou bem o gato nos cueiros deixando só a cara de fora e levou para o homem. Vendo o “filho” o homem exclamou: Você ri né, mas a bunda do papai tá ardendo!
Isso aconteceu de verdade! Assim ela encerrava a narrativa. E também contava sobre o vizinho que em noite de lua cheia se transformava em lobisomem, e sobre a pedra grande que tinha no caminho ao lado da casa que era onde as bruxas se encontravam. Mas essas são outras histórias.

4 comentários:

  1. entendo ... agora a cotinha tem coluna fixa na minha revista!

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. E foi por uma dessas histórias que até hoje durmo com os pés sempre tapados, pois embaixo da cama se esconde um homem que nos puxa pelos pés lá para baixo, de onde jamais voltaremos. Caso verídico, que aconteceu com uma moça por aí, isso segundo a Cota.

    Sara

    ResponderExcluir
  4. Vó Cota...não foi para mim uma avó carinhosa, mas era legal. Gostava dela. Lembro-me que gostava muito de ganhar e dar presentes. Ganhava de uns e dava para outros. Lembro-me de um dia que cheguei na sua casa (que ficava atrás da casa da tia forcinha) e eu chegando começou a me elogiar: o Léo é um menino muito trabalhador (nesta época tinha uns 16 anos e trabalhava na marcenaria do tio Hermes), muito bonito e inteligente. Não deu tempo nem para eu ficar convencido e a velhinha solto: faz um banquinho para mim! Todos riram muito da situação.

    ResponderExcluir